Destaque Entrevista Política

“É importante desconstruir estereótipos e a ideia do que é ser mulher e do que é ser homem”

Isabel Almeida Rodrigues – Secretária de Estado da Igualdade e Migrações

2022 começou com eleições antecipadas e uma nova legislatura com um governo reforçado por maioria absoluta. Isabel Almeida Rodrigues assumiu o cargo de Secretária de Estado da Igualdade e Migrações já em maio, a meio de um ano cheio de desafios no que diz respeito ao combate às desigualdades e também ao apoio a refugiados, muitos deles provocados pela guerra na Ucrânia. Com o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres como mote, assinalado em finais de novembro, quisemos ouvir a Secretária de Estado sobre este e outros assuntos sempre atuais, fechando assim o ano de entrevistas a titulares de cargos políticos na IN Corporate Magazine.

Assumiu o cargo de Secretária de Estado da Igualdade e Migrações ainda há relativamente pouco tempo. Quais foram os principais motivos que a levaram a aceitar este desafio?

Vejo o exercício de um cargo político como uma oportunidade de dar um contributo mais efetivo na construção do mundo que ambicionamos. Mas também como um dever de cidadania, pelo que procuro ter uma participação ativa e efetiva na vida da minha região e do país e estar disponível para as missões para que sou chamada.

Quais são as prioridades da Secretaria de Estado da Igualdade e Migrações no contexto atual, marcado pela guerra da Ucrânia e por grande instabilidade económica? Aproveito para pegar em palavras suas, ditas muito recentemente, quando lembrou que “as mulheres e as crianças são em todas as crises as principais vítimas”.

A defesa da igualdade de oportunidades para todas as pessoas e a efetivação dos direitos humanos. Tenho dito, e repetido, que a consagração dos direitos em lei não é, por si só, suficiente. É necessário atuar para alterar representações sociais, desconstruir estereótipos e mudar culturas organizacionais. Estas conquistas são fundamentais para conseguirmos por cobro a fenómenos como a violência doméstica e a discriminação, muitas vezes agravada por intersecionalidades. Mas também para que as pessoas migrantes, que procuram Portugal para aqui reconstruírem as suas vidas, encontrem um país inclusivo, que abraça e respeita a diferença e se enriquece com ela.

“Para que as pessoas migrantes, que procuram Portugal para aqui reconstruírem as suas vidas, encontrem um país inclusivo, que abraça e respeita a diferença e se enriquece com ela”

Muitas das mulheres que entrevistamos para a nossa revista, apesar de terem cargos de gestão de grande responsabilidade, mencionam várias vezes os constrangimentos que ainda sentem nalguns setores precisamente por serem mulheres. Sabendo que a nossa Constituição proíbe qualquer tipo de discriminação, e o que já muito se avançou em termos legislativos nesta matéria, o que falta na nossa sociedade para que este machismo desapareça?

A sub-representação de mulheres em cargos de chefia foi sendo apontada como um dos fenómenos que mais tem condicionado, em desfavor das mulheres, a igualdade entre mulheres e homens no mercado de trabalho, com forte impacto na esfera económica. Consciente dessa realidade, o Governo apresentou à Assembleia da República, em 2017, uma Proposta de Lei com o objetivo de alterar esta realidade, nascendo assim o Regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração, que culminou na Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, a qual tem tido um manifesto impacto na evolução, em crescimento do número de mulheres nos órgãos de gestão. Com efeito na Administração Pública, em 2019, foi aprovada a Lei n.º 26/2019, de 28 de março, a qual, à semelhança do que já tinha sido feito para as empresas cotadas em bolsa e do setor empresarial do Estado e empresarial local, estabeleceu um regime de representação equilibrada entre mulheres e homens no pessoal dirigente e na Administração Pública, pondo termo não só ao desequilíbrio em desfavor das mulheres nos cargos de dirigente superior.

As causas para isto são as mesmas que estão na origem de quase todas as discriminações entre mulheres e homens, a visão estereotipada de que a mulher não está vocacionada para ocupar órgão de direção, uma visão cada vez mais contrariada pela realidade. Atualmente, por exemplo, quatro dos organismos mais importantes a nível mundial e europeu, Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Parlamento Europeu, são presididos por mulheres. É importante desconstruir estereótipos e a ideia do que é ser mulher e do que é ser homem. Os estereótipos têm influência na relação que se estabelece entre as pessoas e são os principais fatores que levam à persistência de comportamentos sexistas que, por exemplo, estão na base da violência doméstica.

Acredito que conseguiremos trabalhar para a desconstrução dos estereótipos sexistas utilizando cada vez mais a educação e o sistema educativo como ferramentas de atuação sistemática contra a violência sexista, sexual e baseada no género, para a promoção de uma linguagem não discriminatória em todos os contextos, e para a libertação de todas as pessoas da segregação profissional de género e do desequilíbrio na repartição das tarefas domésticas e de cuidado.

A União Europeia acabou de aprovar uma diretiva que pretende ver o sexo sub-representado (ou seja, as mulheres) em 40% dos cargos nos conselhos de Administração das empresas cotadas em bolsa. Acha que é este o caminho para que mais mulheres passem a ocupar lugares de topo nas restantes empresas privadas?

Portugal está no pelotão da frente dos países da EU que tem dispositivos previstos na sua lei interna de garantir a representação do sexo menos representado em cargos de direção.

Contudo, em 2022, as mulheres estão ainda sub-representadas nos conselhos de administração das maiores empresas cotadas em bolsa, tanto na UE27, como em Portugal, sendo que estamos até um pouco abaixo da média europeia, apesar de sermos dos países que mais evolução tem feito nos últimos anos, o que claramente se deve à chamada lei das quotas em vigor. Esta diretiva que agora foi aprovada, ao fim de 10 anos de negociação, é muito importante porque simboliza o compromisso da UE com a promoção da igualdade entre homens e mulheres no acesso a cargos de direção, e simboliza também, a validação de que esta medida positiva (quotas) é de facto o melhor caminho a seguir para garantir que em tempo útil se consegue algum equilíbrio, que de outra forma demoraria dezenas de anos a ser atingido. Quando já não for necessário este mecanismo de correção de desequilíbrio de género, é o momento em que se alcançou de forma sustentada a igualdade de homens e mulheres no acesso a cargos de direção. Esse será o momento para estas medidas positivas deixarem de vigorar. Mas, este, ainda não é, esse momento.

Celebrou-se no passado mês de outubro o Dia Municipal da Igualdade, que se assinala desde 2010. Qual é o balanço que faz do trabalho desenvolvido pelo Poder Local na concretização das políticas de igualdade?

A territorialização da dimensão da igualdade de género nas diferentes áreas de política da administração local, tem sido consubstanciada através de Planos Municipais para a Igualdade e tem constituído um dos domínios centrais da cooperação entre a administração central e as autarquias locais, que importa intensificar no quadro dos Planos Nacionais.

Portugal vem implementando políticas públicas para a igualdade há cerca de 20 anos, que têm sido norteadas por Planos Nacionais para a Igualdade e, desde março de 2018 e até 2030, pela Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação – Portugal + Igual (ENIND).

Da cooperação entre a administração pública central e a administração pública local tem resultado a celebração de protocolos entre a CIG e as Câmaras Municipais interessadas, encontrando-se o atual modelo de protocolo de cooperação com os municípios alinhado com a ENIND, concorrendo para a sua concretização ao nível local, quer dentro da organização, quer junto das populações.

De facto, tem sido uma mais-valia a adoção crescente de Planos Municipais para a Igualdade. Ao constituírem-se como compromissos políticos dos executivos, os planos municipais para a igualdade são planos estratégicos para o combate às desigualdades diagnosticadas e também instrumentos para a resolução partilhada dos problemas identificados nos diagnósticos locais de género, partindo de dados desagregados por sexo.

Vale a pena ainda referir que até ao momento, aderiram ao Protocolo de Nova Geração 206 Municípios, enquanto 48 mantêm o anterior modelo Protocolo inicial (num total de 254 Protocolos). Verifica-se que entre as 34 autarquias premiados na presente edição do Prémio Viver em Igualdade 2022, 32 dispõem de um Protocolo celebrado com a CIG e 30 delas transitaram para o Protocolo de Nova Geração, que está alinhado com a ENIND.

Atualmente existem 109 Municípios com Planos Municipais para a Igualdade em várias fases e estão 179 Planos Municipais para a Igualdade com financiamento europeu em fase de execução.

Dar nota ainda que neste momento, e em 308 Municípios, 224 nomearam Conselheiras e Conselheiros Locais para a Igualdade, e 122 criaram Equipas para a Igualdade na Vida Local. Nestes números referidos há um multiplicar de pessoas que se envolvem localmente pela igualdade, difundindo a mensagem por tantas outras pessoas e, como também se trata de alteração de preconceitos e estereótipos, neste trabalho de territorialização garantimos a proximidade das respostas estruturais e a mudança social.

Assinalou-se, no passado dia 25 de novembro, o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres. Em Portugal, os números de violência doméstica continuam a ser preocupantes, com dezenas de mulheres assassinadas todos os anos. Que novas medidas poderemos esperar deste Governo para que este cenário se altere?

O Combate à Violência Doméstica em Portugal é parte de uma ação global e tem, na sua base, um extenso acervo legal quer em termos nacionais como internacionais, incluindo instrumentos das Nações Unidas e do Conselho da Europa, bem como de práticas que se tem desenvolvido e densificado no combate a este fenómeno.

“As vítimas rompem o silêncio e a violência doméstica é dos crimes mais participados às autoridades”

Adotando uma abordagem integrada, holística, respeitadora dos direitos humanos, centrada na vítima e sensível ao género e às crianças, estas ações têm sido desenvolvidas a partir de disposições que começam por estabelecer regras mínimas comuns para aproximar o direito penal substantivo em matérias como: infrações penais, sanções, ou a instauração de ação penal. Além disso, também as disposições sobre investigação e ação penal, jurisdição, assistência e apoio às vítimas, com foco especial nas crianças, ao longo de todas as etapas, têm vindo a ser densificada.

O Governo vai continuar atento a este fenómeno, não medindo esforços para o travar. Veja-se a evolução na proteção a apoio às vítimas, onde passamos de uma cobertura da rede de apoio de 55% para 95% desde 2015. O país conta, hoje, com 200 estruturas de atendimento às vítimas de violência doméstica, 26 unidades de acolhimento de emergência, 35 casas-abrigo e 28 Respostas de Apoios Psicológico a crianças e jovens vítimas de violência doméstica. Especializaram-se as respostas, como são exemplo o apoio na emergência para a população LGBTI+, casa-abrigo para homens, casa-abrigo para mulheres com deficiência, outra para mulheres com doença mental e as Respostas de Apoio Psicológico para crianças e jovens vítimas de violência doméstica por todo o país. Em preparação estão duas estruturas residenciais para idosas vítimas de violência doméstica.

Ao longo destes anos de trabalho e muito por força da violência doméstica ser consagrada como crime público foi possível tornar visível o que estava invisível. As vítimas romperam o silêncio e a violência doméstica é dos crimes mais participados às autoridades e temos cada vez mais agressores a cumprirem penas de prisão efetiva, a participar no Programa dirigido a Agressores de Violência Doméstica e a aplicação de medidas de coação tem também vindo a aumentar.

O surgimento do novo Plano de ação para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica 2022-2025 (PAVMVD), integrado na ENIND, será mais um passo significativo para a concretização das políticas publicas de combate a esta real pandemia que é a Violência Doméstica. Neste plano preveem-se medidas de reforço das estruturas já existentes para este combate e a consolidação de formas mais ágeis de comunicação, como será a Plataforma VIVIDO, que irá permitir a articulação entre as entidades da RNAVVD evitando assim tantas vezes processos de revitimização. Será dado um forte impulso às questões da violência no namoro e da prevenção primária na desconstrução de estereótipos de género, bem como um melhor conhecimento da realidade da Violência Doméstica em Portugal a nível do apoio das organizações da RNAVVD, muito em especial na fase de autonomização das vítimas ao retomarem as suas vidas, livres de violência.