Destaque Justiça

Sem Justiça não há Liberdade.

Por Claudete Teixeira, Advogada

O 25 de Abril de 1974 trouxe-nos uma liberdade que não tínhamos e eu já conheci Portugal como um Estado democrático e livre. Mas temos de ter consciência que a Liberdade só se concretiza plenamente quando a conseguirmos aplicar na vida concreta de cada individuo. Quando nos podemos manifestar nas ruas, mas ainda temos números tão elevados de situações de violência dentro de casa pergunto-me onde é que está a liberdade das vítimas de violência doméstica. Ou quando os adultos decidem que os filhos são sua propriedade ou a melhor forma de atingir o outro, onde é que está a liberdade das crianças vítimas do conflito parental? Não basta dizer que somos livres e esperar que todos saibam usar essa liberdade sabiamente.

É preciso educar para a Liberdade.

“A liberdade tem de ser exercida com responsabilidade”. Em algum momento já todos ouvimos, ou usámos, este chavão, mas será que o conseguimos plenamente aplicar nas alturas mais exigentes? Não é preciso pensar em grandes cenários globais para perceber a dificuldade que ainda existe em respeitar o outro, especialmente se o outro for especialmente vulnerável, como é o caso das crianças. A liberdade que temos hoje de decidir os nossos destinos e, nomeadamente, de não nos mantemos num casamento ou relação, que frustrou a nossa expectativa de amor eterno, deve ser exercida com responsabilidade e respeito pelo outro, em particular para com as crianças fruto dessa relação.

Dificilmente se encontrará um pai ou mãe que não diga que daria a vida pelo seu filho. Contudo, em situações de elevado conflito parental, por vezes, não conseguem praticar os pequenos gestos de que os filhos realmente precisam. Coisas simples, como não falar mal do outro progenitor em frente à criança. Mais do que não envolver os filhos no conflito parental, trata-se de não permitir, sequer, que as crianças se apercebam desse conflito. Os filhos, em princípio, não irão precisar que ninguém morra por eles. Por vezes, precisam apenas que respeitem a sua infância. Os danos provocados pelo conflito parental nas crianças são graves e irão refletir-se na sua vida futura. Atendendo ao elevado número crianças envolvidas em conflitos parentais que existe atualmente a situação é preocupante. A concretização do direito à Liberdade na criança passa por assegurar o seu direito a ser criança. À preservação da sua inocência.

É certo que ninguém nos ensina a ser pais. E menos ainda nos ensina a ser pai ou mãe quando todo o projeto de vida que levou ao nascimento daquele filho se desmoronou, e surge a incerteza acerca do futuro, a par, via de regra, de um elevado sofrimento emocional. Não nos podemos esquecer que a seguir à morte de um ente querido, o divórcio é a maior causa de stress no ser humano.

É muito difícil estar a passar por um divórcio e ter de tomar decisões acerca de questões que, até então, eram desconhecidas. É preciso que se tenha consciência que nessa altura é preciso ajuda. É importante procurar a ajuda de um psicólogo e é preciso a ajuda de um advogado, que trabalhe na área da família, para que possa orientar para as questões jurídicas e orientar os pais acerca do que devem ou não fazer, no que se refere ao relacionamento com o outro e com os próprios filhos. Quanto mais esclarecidos os pais estiverem, menos erros cometerão e mais protegidos ficam os filhos.

“Dificilmente se encontrará um pai ou mãe que não diga que daria a vida pelo seu filho. Contudo, em situações de elevado conflito parental, por vezes, não conseguem praticar os pequenos gestos de que os filhos realmente precisam. (…) Os filhos, em princípio, não irão precisar que ninguém morra por eles. Por vezes, precisam apenas que respeitem a sua infância.”

Na fase da rutura conjugal surge uma grande indefinição de papéis, direitos e deveres. É importante que a procura de apoio especializado surja o mais precocemente possível. A mediação familiar é também uma opção e uma forma de resolver, por acordo, questões como a regulação do exercício das responsabilidades parentais, ou outras, com foco no diálogo e na diminuição dos níveis de conflito.

As alterações legislativas levadas a cabo em 2015 vieram refletir uma mudança de paradigma, no sentido de se passar a colocar o foco nos direitos e proteção da criança, como titular dos interesses que se visam proteger nos processos que os envolvem, e isso foi muito positivo.

Contudo, é preciso que o Estado assegure verdadeiramente o direito das pessoas a ter acesso à justiça, com celeridade e qualidade. A delonga no acesso à justiça é por si só uma denegação dessa mesma justiça. Os tribunais não dispõem de meios suficientes: faltam magistrados e oficiais de justiça, faltam salas, faltam meios técnicos, e os processos acumulam- se, com a consequente falta de resposta e de ajuda às famílias que dela necessitam.

O tempo das crianças não é o tempo dos adultos, e muitas vezes, quando o tribunal consegue intervir já é tarde. Embora tenha de se ter consciência que os tribunais não conseguem resolver tudo. Assim como não é possível existir um polícia em cada esquina, também não é possível ter um juiz em cada casa. Mas deveria ser possível ter acesso a um advogado e a um psicólogo sempre que é preciso e, em casos de conflito parental, tal torna-se necessário muitas vezes. Também por esta razão é importante que a intervenção do advogado seja precoce e contínua, de modo a orientar os pais e a resolver os problemas que vão surgindo a cada dia. Não obstante, este tipo de acompanhamento ainda não é acessível a todos.

A nomeação dos advogados no âmbito do apoio judiciário é também demorada e limitada no seu âmbito de intervenção, e enquanto os valores pagos aos advogados que prestam o serviço público de apoio judiciário for ofensivo da sua dignidade, como é, há um grande desincentivo a que estes profissionais se inscrevam no mesmo. Mas há, acima de tudo, uma grande falta de dignificação da justiça, facto com o qual nunca nos devemos conformar.

Sem Justiça não há Liberdade.

Claudete Teixeira é advogada, licenciada pela Faculdade de Direito de Lisboa – pré-Bolonha. Ao longo dos anos tem apostado na sua formação: frequentou várias pós-graduações, em especial, na área do Direito da Família e das Sucessões. Tem um curso de mediação familiar e, atualmente, está a frequentar uma pós-graduação em Direito do Trabalho, também na Faculdade de Direito de Lisboa.