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A “incompatibilidade” perfeita de Nuno Cerejeira Namora e Pedro Marinho Falcão

São dois rostos bem conhecidos do nosso espaço mediático e do Direito, e formam a Sociedade a que dão o nome há mais de 30 anos. Acabados de receber pelo segundo ano consecutivo o estatuto PME Excelência, Nuno Cerejeira Namora e Pedro Marinho Falcão concederam-nos uma entrevista dividida entre a sede no Porto, e o novo escritório, em Lisboa. Uma conversa onde nos revelam a paixão contagiante que mantêm pela profissão, e os projetos para os próximos 30 anos da Sociedade.

Completaram há pouco tempo 30 anos de sociedade. Mesmo tendo noção de que 30 anos não cabem neste espaço, o que nos podem recordar desses momentos fundadores?

Nuno Cerejeira Namora (NCN): 30 anos é muito tempo na vida de um casamento, na vida de uma sociedade talvez seja ainda mais difícil. Nós somos dois sócios e se por um lado isso aparentemente facilita a Governance da sociedade, também revela mais as personalidades e as tendências de cada um. Essencialmente o que eu registo destes 30 anos é um enorme esforço diário numa tentativa de comunhão, de abdicação, de diálogo e de cedência. Acho que encontramos dentro desta sociedade um conjunto de valores e princípios que constituem o seu DNA. Não somos melhores nem piores, mas somos diferentes de outras sociedades de advogados, basta a particularidade de ser uma sociedade que nasceu e tem sede na cidade do Porto.

E que balanço fazem de uma parceria que dura três décadas? É com os olhos postos no futuro, imagino?

Pedro Marinho Falcão (PMF): Deixe-me dizer-lhe que esta sociedade tem um toque especial porque eu e o meu sócio temos feitios que são incompatíveis (risos). O que é que isso significa? Significa que não somos coincidentes em questões que podem ser estruturais na condução da sociedade e é isso que nos une e é isso que consegue manter uma sociedade em funcionamento. Porque se ambos fôssemos os “pés direitos”, provavelmente já teríamos tropeçado. Mas como, apesar de tudo há uma confiança recíproca porque, como o Nuno já explicou, somos sócios desde 1993, mas fomos colegas de curso desde 1983 e trabalhámos em prática isolada até à constituição formal da sociedade, existe um lastro de confiança que resulta do conhecimento enquanto ainda éramos solteiros e trabalhávamos na Universidade. Portanto, se o Nuno fosse como eu, pouco arrojado e pouco ousado nas suas decisões, provavelmente ainda hoje estaríamos num pequeno escritório de advogados a trabalhar com seis pessoas. Hoje, esta sociedade, que nasceu com três sócios, tem dois sócios fundadores e cerca de 50 advogados.

Fecharam o ano de 2022 precisamente com a apresentação do projeto de arquitetura dessa nova sede. Um investimento de cerca de um milhão e euros numa obra que pretende adaptar as vossas instalações “às novas exigências do mercado laboral e com especial foco na sustentabilidade”. E eu pergunto se esta apresentação é também fruto desse “arrojo” de que falava agora mesmo?

PMF: Exatamente. Nós trabalhamos neste momento em duas moradias, e surgiu a oportunidade de ser comprada a terceira. Quem é que a trouxe ao conhecimento? Foi naturalmente o meu sócio. Era uma oportunidade única, e o Nuno disse “nem hesitemos”. Ok, O Nuno negociou, fez o contrato promessa, compareceu na escritura e eu confesso que nem conheci o vendedor a não ser na qualidade de vizinho que o terei visto uma ou duas vezes. Na nossa perspetiva vai ser um elemento marcante do ponto de vista arquitetónico na cidade do Porto, como de resto já tivemos a oportunidade de explicar aquando da apresentação do projeto, como o João conhece e já foi noticiado.

NCN: Esses futuros 30 anos poderão não ser necessariamente com nós os dois, mas eu tenho a sorte de já ter um filho a trabalhar connosco, portanto quando me levanto hoje em dia para trabalhar, já penso um bocadinho no futuro dele. E o pedro também tem a possibilidade de ter uma filha que está a terminar o curso de direito e gestão, portanto também tem um legado para continuar, caso o queira. Era muito bonito realmente que esta sociedade entrasse na segunda geração e é nesse sentido que estamos a trabalhar e parecemos uns meninos a começar (risos). Tem sido muito interessante.

A Cerejeira Namora, Marinho Falcão recebeu novamente o estatuto de PME Excelência, atribuído pelo IAPMEI em 2022. São a única empresa de advocacia do Porto a integrar a lista de 3881 empresas distinguidas. Isto mostra-nos que não é fácil uma Sociedade de Advogados alcançar os requisitos do Estatuto PME Excelência, sobretudo se não estiver em Lisboa?

NCN: Sabe que eu e o Pedro, e os advogados em geral, quando terminávamos o curso há 35 anos, tínhamos uma formação quase só jurídica, portanto não tivemos nenhuma cadeira nem fizemos nenhum curso de gestão. Mas dizem que as grandes gestoras eram as nossas avós e as nossas bisavós que geriam as economias familiares. Eu acho que eu e o Pedro transportamos para a Sociedade de Advogados a forma espartana de vivermos. Se não temos dinheiro, não temos vícios. Eu não gosto, e o Pedro também não, de comprar nada a crédito. Não é porque tenha algum problema contra a banca, mas não gosto de viver acima das minhas possibilidades. Portanto eu e o Pedro nunca comprámos um computador, ou uma impressora, ou um escritório, ou contratámos outra pessoa sem ter dinheiro. Por outro lado, eu e o Pedro nunca tiramos lucros da sociedade, retiramos apenas o nosso salário. Isto porquê? Porque estamos sempre a prever que no ano seguinte possamos ter de fazer algum investimento.

PMF: Perspetiva do Nuno: “termos de fazer algum investimento”. Perspetiva do Pedro: termos alguma necessidade resultante de um facto negativo que eu não tenha previsto. Está a ver o pé esquerdo e o pé direito a funcionar, mas sempre no mesmo sentido.

NCN: Os nossos colaboradores sabem, há mais de dez anos, que nós temos um airbag, gostamos de ter pelo menos um milhão de euros aplicado nos bancos para o que der e vier, para um problema de saúde do Pedro, para uma crise de subprime, para uma Covid, para qualquer imprevisto. Foi esta forma de gerir, equilibrada e sustentada, que fez com que o IAPMEI nos atribuísse esse estatuto.

PMF: Já agora acrescento que fomos PME Líder durante cinco anos e Excelência nos últimos dois. Este é o prémio que, genuinamente, é atribuído por uma entidade autónoma, de cariz estatal, que analisa a performance da empresa, a sustentabilidade e a capacidade de criar riqueza.

NCN: Ao longo destes anos nós temos vindo a ser abordados por meia dúzia de sociedades de advogados, duas ou três internacionais e duas ou três de Lisboa. Resistimos sempre a sermos comprados, ou fundidos, ou integrados nessas sociedades, com sede em Nova Iorque, em Madrid ou em Lisboa, porque um dos pilares do nosso ADN é a independência.

O Pedro Marinho Falcão e o Nuno Cerejeira Namora são nomes e rostos reconhecidos por quem acompanha as notícias e o mundo do Direito. São presença regular em vários órgãos de comunicação, onde são normalmente ouvidas as vossas análises jurídicas a temas das vossas áreas de especialização (nomeadamente o Direito Fiscal e o Direito do Trabalho), e têm ainda a vossa Newsflash, produzida internamente. Sentem que a vossa presença, as análises ponderadas que fazem, e a vossa capacidade de comunicação, ajudam a criar na opinião pública, uma imagem fiável e de confiança de todo o setor da advocacia?

PMF: É um conjunto. Eu sou professor da faculdade desde 1988 e desde então, até hoje, tenho vindo a fazer publicações de ordem científica que são conhecidas na comunidade – isto é um elemento de credibilidade. Por outro lado, sou convidado, amiudadamente, para participar em conferências na área da fiscalidade. Isto associado à nossa intervenção na comunicação social é um elemento relevante do ponto de vista da confiança que nós transmitimos, até porque no que respeita à intervenção na comunicação social, eu divido duas tipologias de intervenção. A intervenção do advogado que acompanha determinado caso e que à saída do tribunal é intercetado pela comunicação social e lhe perguntam, a quente: “então, o seu cliente é inocente ou culpado?” Na minha perspetiva, isto transmite visibilidade, mas não transmite confiança. Nós temos, relativamente à comunicação social, uma perspetiva diferente. Na maior parte dos casos, as entrevistas que damos são sobre assuntos que interessam ao cidadão ou que interessam à comunidade, com um discurso que é explicativo. Nós não fazemos isto para captar clientela, porque a clientela não vem por aqui. Nós fazemos isto numa atitude cívica de comunicação. Achamos importante a nossa intervenção na comunicação social, além de que também faço isto por gosto.

NCN: Eu tenho o bichinho cá dentro há mais anos. Eu quando tinha 17 ou 18 anos não sabia se havia de ir para o jornalismo ou para o direito. Portanto, fui para as duas coisas e fui jornalista durante sete anos, de uma grande escola de jornalismo, O Primeiro de Janeiro. E ficou-me o vício de escrever, o gosto, o prazer.

Como já referimos têm também escritório em Lisboa, coordenado pela Cecília Meireles desde o ano passado. Também um rosto bem conhecido de todos, pela sua atividade política e parlamentar. Mais um sinal inequívoco do crescimento e da solidez da Sociedade?

NCN: Sim, claro. A Cecília, está aqui no escritório comigo neste momento, tem sido uma agradável surpresa. É muito interessante ver uma pessoa que esteve 20 anos afastada da advocacia e dedicada a 100% à política, parecer uma jovem, uma criança a dar os primeiros passos na advocacia com o entusiasmo e com o fascínio que eu vejo, nos nossos estagiários, mas com a experiência parlamentar que ela tem, nomeadamente das comissões de inquérito.

“30 anos a construir relações de confiança” é o slogan que nos recebe à entrada do vosso site. A confiança é seguramente um pilar essencial de todas as relações, ainda mais quando falamos de advocacia. Já referiram também o outro pilar que consideram essencial: a independência. Permitam-se agora perguntar a cada um, o que é ser advogado? O que é que mais os seduz e cativa nesta profissão?

PMF: Ser advogado é termos a capacidade de conseguirmos resolver problemas de quem nos procura, de pessoas que têm, eu diria, uma questão de vida para a qual não conseguem encontrar solução, que caíram consciente ou inconscientemente num buraco que lhes foi criada pelo Direito ou que lhes foi criado por uma terceira pessoa. E nós temos a capacidade, enquanto advogados, de fazer o diagnóstico, encontrar uma solução, resolvermos o problema e restituirmos o descanso, a tranquilidade e, muitas vezes, a liberdade que elas perderam por força do problema em que incorreram. Para isto, a independência é fundamental. Porquê? Porque somos nós, enquanto advogados, que fazemos o diagnóstico, que traçamos o caminho, que arranjamos a solução e que depois nos batemos por ela.

NCN: Outro exemplo que lhe posso dar – quando eu entro nas negociações com uma parte contrária, obviamente que primeiro negoceio com o meu cliente e ele traça-me as linhas vermelhas. Traçadas essas linhas vermelhas, eu avanço para as negociações. Cliente meu que mude uma opinião e que desdiga uma palavra que eu dei à parte contrária é imediatamente “rifado”. A minha palavra perante um advogado vale mais que uma escritura.

Deixem-me só abordar outro tema importante. A Cerejeira Namora, Marinho Falcão integra a Aliança Pro Bono. Estiveram, aliás, na sua apresentação formal, em novembro. Porque é que decidiram integrar, desde o primeiro momento, esta aliança que representa, de alguma forma, a consciência social dos seus membros? É uma forma de permitir “justiça para todos” de uma forma mais organizada?

NCN: Sabe João, desde sempre que a nossa sociedade faz muita atividade pro bono. Por exemplo, eu trato muitos casos de direito de trabalho, e como imagina grande parte dos trabalhadores chegam-me acabados de ser despedidos, com “uma mão à frente e outra atrás” e, portanto, é uma forma que eu tenho de ajudar. O que é que veio a associação Pro Bono fazer? Veio introduzir grandes sociedades de advogados, e pequenas, mas essencialmente advogados seniores, advogados especialistas que fornecem o seu trabalho gratuitamente e sem vaidades. Isso é que é Pro Bono.

PMF: Na minha qualidade de fiscalista, o que eu pretendo para Portugal é maior rigor nas contas e, acima de tudo, honestidade, lealdade e transparência na aplicação dos dinheiros públicos. Não há legitimidade para termos em Portugal uma carga fiscal tão elevada como aquela que temos quando verificamos a inadequação, a falta de critério na aplicação dos recursos financeiros que nós contribuintes, todos os dias, todos os anos, com sacrifício, entregamos ao Estado. Por isso, para nós evoluirmos do ponto de vista económico e termos uma relação de maior proximidade com o nosso Estado que defenda os nossos direitos, isto vai exigir que se introduza mais transparência, mais critério e mais adequação na utilização e na gestão dos dinheiros públicos. É aquilo que eu, enquanto advogado fiscalista, espero para os próximos dez anos, independentemente do partido que esteja no arco da governação.NCN: Como especialista laboral em direito de trabalho, o que eu pedia era uma reforma laboral que tornasse a legislação laboral portuguesa mais flexível, mais europeia, mais moderna. E, depois de feita essa reforma, queria estabilidade. Nós temos das legislações mais rígidas, mais exigentes, mais proibitivas para o investimento estrangeiro da europa. Nós estamos num mundo global onde competimos com os países asiáticos e não queremos a legislação deles, mas queremos pelo menos uma legislação tão flexível como a espanhola ou a americana. Sempre houve e sempre haverá bons e maus patrões, não é uma lei rígida que vai afastar os maus patrões. Esses têm de ser combatidos ou corrigidos com atividades inspetivas e com os tribunais de trabalho. Temos de ter uma legislação moderna, estável e que cative o investimento estrangeiro. Não podemos ter uma geração dos mil euros e não podemos ser conhecidos pelos baixos salários, o que obriga a maior formação profissional e mais especialização.