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Sucumbir à beleza

Sabia que a exposição à beleza da arte pode provocar reações físicas como palpitações e tonturas? Chama-se Síndrome de Stendhal e há vários relatos desta condição.

Recentemente duas jovens ativistas contra as alterações climáticas atiraram sopa ao quadro “Girassóis” de Van Gogh, na National Gallery, em Londres. Entre os parcos aplausos e as muitas críticas de quem não percebeu a escolha do alvo para o gesto radical, recuperamos o argumento utilizado pelas protestantes. Questionaram “o que vale mais: a arte ou a vida”, e se a sociedade “está mais preocupada com a proteção de uma pintura ou com a proteção do planeta e das pessoas”.

Ora a arte e a vida de quem a faz e de quem a vê estão muitas vezes interligadas – sendo aliás a obra de Van Gogh um testemunho tocante disso mesmo – e esta é parte da explicação para a síndrome de Stendhal. O nome vem da experiência relatada por Stendhal nas memórias que publicou sobre uma viagem que fez a Itália em 1817. O escritor francês refere a certa altura a sensação de palpitações e queda enquanto observava a Basílica de Santa Croce. Há ainda passagens como “A minha alma, afetada pela consciência de estar em Florença, e pela proximidade desses grandes homens cujos túmulos tinha tocado, já estava num estado de transe”.

Foi precisamente a observação destes sintomas físicos e psicológicos em pessoas que tiveram de ser tratadas num hospital de Florença que levaram a psiquiatra Graziella Magherini a cunhar em livro a expressão “Síndrome de Stendhal”, em 1989. Esta pode incluir palpitações, sensações de confusão e desmaio, ataques de pânico ou sintomas de ansiedade. Afeta sobretudo turistas que sucumbem a uma experiência estética que para eles é única. É considerada uma condição e não um distúrbio e, como seria de esperar, parece afetar pessoas muito sensíveis ou mais suscetíveis por causa de doenças.

Com o aumento do turismo em todo o mundo, são vários os casos que fizeram notícia. Em 2018 um visitante da Galeria dos Ofícios em Florença sofreu um ataque cardíaco enquanto observava o quadro Nascimento de Vénus, de Botticelli. E embora muitas vezes se restrinja a condição a Florença, vários escritores relataram ter sucumbido à Síndrome fora de Itália, um país que se percebe ser a origem desta condição dada a sua arte ser inigualável. 

Se sentir o seu corpo a manifestar-se diante daquela obra de arte que é o ponto alto da visita ao museu, pense no que leu. Pode ser apenas a experiência intensa de estar finalmente na presença física de uma obra que viu mil vezes reproduzida ou que lhe fala especialmente ao coração. Esta é talvez a única forma de “agressão física” ao espectador de que nos lembramos quando pensamos em arte.