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“O lema é viver um dia de cada vez e nunca tomar nada como certo”

Apesar da carreira sólida em hotelaria, Susana Alvarinho já não se sentia suficientemente desafiada neste setor quando decidiu mudar por completo de vida. Apaixonada pelo mundo infantil, criou as marcas “Bebe W” e “Kids R”, e hoje é uma empreendedora de sucesso.

Fale-nos um pouco da sua carreira profissional em hotelaria e o que a fez dedicar-se a um projeto da sua autoria, numa área completamente diferente?

A carreira profissional em hotelaria sempre foi planeada, já desde o secundário quando decidi que iria optar pela área do turismo, pois considero-me uma pessoa aventureira, com a sorte de ter aptidão para línguas e sempre fui muito curiosa em relação a outras culturas e tradições. Quando terminei a faculdade, trabalhei em várias empresas na área do turismo e, em 2001, decidi aceitar o convite de ingressar no que ainda é hoje o maior grupo hoteleiro português. O projeto passou pela criação de raiz de uma central de reservas, sendo que o grupo detinha já 22 hotéis, verificando-se então a necessidade de centralizar vários serviços.

Não quero deixar de destacar uma curiosidade e um dos episódios mais marcantes a nível pessoal que aconteceu no processo de recrutamento, quando descobri que estava grávida da minha primeira filha. Expus a situação de forma aberta, apesar da ansiedade que sentia, e a maior surpresa surgiu quando fui selecionada. Todos sabemos que, infelizmente, este é um tema sensível ainda nos dias de hoje, mas, de facto, esta decisão moldou a minha visão da empresa e o nível motivacional escalou.

Após um interregno de carreira de dois anos, período em que vivi na Bélgica, regressei a Portugal e tive a sorte de recomeçar a minha atividade profissional na mesma empresa, pois nunca perdemos o contacto, e desta vez ingressei no departamento comercial com responsabilidade direta nas áreas de África e América do Sul, com a responsabilidade comercial direta de 14 hotéis. Tive então uma evolução natural de carreira, na qual percorri várias áreas de gestão comercial, coordenação de projetos com vários departamentos da empresa, com a responsabilidade de mercados europeus e uma dinâmica de gestão direta e indireta de equipas centrais e nacionais, culminando na direção de vendas. Em 2015, num contexto de liderança tóxica, senti uma estagnação na carreira e uma vez que não me sentia suficientemente desafiada, decidi desafiar-me a mim própria.

Até agora, já lançou duas marcas na área infantil. Quais as razões que a fazem querer exercer nesta área?

Após considerar que estavam reunidas as condições financeiras, assim como de maturidade pessoal e profissional, para avançar com um projeto próprio, decidi inspirar-me nos meus pilares de vida, a maternidade e a área infantil. Procurei uma área de negócio que me entusiasmasse, pouco explorada no mercado nacional e que considerasse uma oportunidade com potencial de implementação e crescimento.

Assim, em 2015, nasceu a Bebe W (Bebé Welcome), inspirada numa oferta que encontrei em sites internacionais de presentes de nascimento personalizados.

Mais tarde, em 2020, num contexto de pandemia, quando tentava redecorar o quarto da minha filha mais nova, desenvolvi outra ideia que identifiquei como oportunidade de negócio pela reduzida oferta no mercado: criar uma empresa multimarca especializada, cuja prioridade seria a seleção criteriosa de mobiliário e decoração infantil e assim nasceu a Kids R (Kids Room), acompanhada pela difícil decisão de renunciar à minha carreira na hotelaria.

No que consistem a Bebe W e a Kids R?

A Bebe W (Bebé Welcome) é uma marca cuja oferta centra-se em kits de nascimento personalizados e feitos à medida. A marca diferencia-se pela seleção de artigos de elevada qualidade e apresentação, com foco na sustentabilidade, privilegiando fornecedores nacionais, especialmente na área têxtil.

O principal cliente é o segmento corporate que, de imediato, respondeu positivamente a uma oferta, até aí inexistente ou de pouca qualidade, que seria direcionada aos seus colaboradores recém papás e mamãs. O negócio foi crescendo com o aumento da carteira de clientes, que incluía empresas de várias dimensões e grandes players de mercado, clientes esses que mantenho até hoje. Do nosso portefólio de clientes fazem parte a Altice, o Banco Finantia, o Grupo Lusíadas, a Fundação Calouste Gulbenkian, entre muitos outros.

A Kids R (Kids Room) é uma multimarca especializada, cuja prioridade de oferta foca-se numa seleção criteriosa, também denominada de curadoria de mobiliário e decoração infantil. O design é um complemento estético, que quando aliado a utilidade e sustentabilidade, cria ambientes perfeitos para o desenvolvimento das crianças. A Kids R, para além da oferta em loja física e online, possui serviços de consultoria e design de interiores especializado na área infantil, serviços estes que vão desde uma simples consultoria, orientação estética e prática até a um projeto chave na mão.

“Um dos motivos para me tornar empresária foi poder criar valor através de uma ideia que se transformou em realidade e deixar um legado às minhas filhas que as inspire”

Que balanço lhe é possível fazer desta nova fase da sua vida, pautada pelo empreendedorismo feminino?

Sendo mãe de duas mulheres, não vou negar que me preocupa o que o futuro lhes poderá trazer. Vivemos numa sociedade que esquece o passado e que aprendeu muito pouco ou nada. Direitos humanos, igualdade de oportunidades e inclusão são valores cada vez mais abalados numa sociedade em constante ebulição. Um dos motivos para me tornar empresária foi o facto de poder criar valor através de uma ideia que se transformou em realidade e deixar um legado às minhas filhas que as inspire a não terem medo de tomarem decisões difíceis, serem resilientes, determinadas e acreditarem nelas próprias.

O sucesso do empreendedorismo feminino será um incentivo importante na conquista da igualdade de oportunidades de género, tanto no mercado de trabalho como na sociedade em geral e, por essa razão, as histórias de sucesso das mulheres empreendedoras devem ter cada vez mais voz na sociedade, pois são um exemplo para outras mulheres, incentivando-as a ocupar o seu lugar e inspirando-as a acreditar que tudo é possível com determinação. A voz feminina, que era silenciada no passado, já não tem lugar numa sociedade que “grita” por igualdade e paridade em ecossistemas sociais, organizacionais, políticos e religiosos.

Para finalizarmos, gostaria que deixasse uma mensagem dirigida às pessoas que têm projetos em mente, mas que não avançam por receio de deixarem a zona de conforto.

O empreendedorismo exige uma determinação inabalável. Ao longo da minha vida conheci pessoas extraordinárias, com ideias igualmente extraordinárias, mas faltava sempre algo, fosse coragem, dinheiro, apoio, segurança… No meu caso foi um caminho solitário, mas nunca me demovi, mesmo em circunstâncias desfavoráveis que me faziam questionar tudo. O maior desafio? Partir do zero de uma área que eu conhecia… zero. Após uma análise da concorrência a nível nacional e da criação do business plan, decidi que aquele seria o caminho certo para arriscar e dei o passo em frente contra tudo e contra todos. Foi um constante desbravar de caminho que culminou na criação da marca, do site, do conceito e posicionamento, do produto, comunicação, identificação dos canais e segmentos de venda, redes sociais, marketing, entre muitos temas paralelos para tratar, incluindo criação de empresa, sistemas de faturação, gestão de stocks, contabilidade, contratações…

Quando decidimos avançar por este caminho solitário temos de ter capacidade de ser multi task e manter os níveis de energia e resiliência altos, algo que é inerente a quem decide criar um negócio próprio. Depois entramos numa montanha-russa de estratégias e resultados que nos fazem reavaliar e ajustar sempre que necessário. O lema é viver um dia de cada vez e nunca tomar nada como certo. É fácil? Claro que não, mas desafios fáceis não são sequer desafios.

O próximo? O VoiceLeadership, um programa de gestão de PMEs da NOVA SBE que estou a agora a iniciar e no qual tenho a certeza de que não só irei adquirir novas ferramentas de gestão adaptadas à inovação, como irei conhecer formadores, mentores e gestores tão inspiradores como eu espero ser para quem está a ler esta entrevista.

WWW.KIDSR.PT
WWW.BEBEW.PT